
Criança e adolescenteDireito das mulheresDireito de famíliaViolência de gêneroViolência obstétrica: o que é?
Em que pese registros explícitos de violência sexual durante o parto sejam mais escassos, como o registrado em um hospital brasileiro na última semana, os casos de violência obstétrica não são poucos. O levantamento Nascer no Brasil, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de 2012, mostrou que 30% das mulheres atendidas em hospitais privados já sofreram alguma forma de violência obstétrica, enquanto no Sistema Público de Saúde a taxa chega a 45%.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o termo “violência obstétrica” refere-se à “apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos por profissionais de saúde, na forma de um tratamento desumanizado, medicação abusiva ou patologização dos processos naturais, reduzindo a autonomia da paciente e a capacidade de tomar suas próprias decisões livremente sobre seu corpo e sua sexualidade, o que tem consequências negativas em sua qualidade de vida”.
A violência obstétrica pode ser física, psicológica, sexual ou verbal, e ao contrário do que muitas pessoas pensam, não é caracterizada somente por agressões contundentes e absurdas, podendo ser carregada de sutileza – e, nem por isso, deixa de ser uma forma de violência.
Exemplos de práticas comuns que podem caracterizar violência obstétrica:
– A realização de episiotomia, ou seja, uma incisão no períneo para ampliação do canal vaginal, acelerando a saída do bebê, em situações nas quais ela não seja absolutamente necessária (quando o feto corre risco de vida, por exemplo), sem anestesia ou sem informar à mulher. 54% das brasileiras, no estudo realizado pela Fiocruz, relataram já terem passado por essa experiência em seus partos;
– Realização de mutilações genitais sem a anuência da parturiente, como o famoso “ponto do marido”;
– Ameaças, gritos, piadas, exposição da intimidade e tapas que constranjam ou provoquem sofrimento à gestante;
– Negar anestésico para mães com dor de forma injustificada. Inclusive, existe a crença popular de que “mães negras aguentam mais dor”, o que não possui corroboração científica e, além do mais, perpetua o racismo;
– Não informar a gestante sobre os procedimentos ou desrespeitar a sua decisão em situações que não exijam a atuação imediata da equipe médica para prevenir ou impedir algum dano;
– Negar o direito a acompanhante durante o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Lembrando que doula não se confunde com acompanhante, de forma que a mulher pode ser acompanhada pela doula e mais uma pessoa.
O termo “violência obstétrica” sofre críticas da comunidade médica, como se “demonizasse” a profissão do obstetra. Porém, ela vai muito além: a violência obstétrica não se relaciona apenas ao trabalho de profissionais da saúde, mas também a falhas estruturais de clínicas, hospitais e do sistema de saúde como um todo, chegando até a fonte – a capacitação dos profissionais envolvidos nos cuidados à gestação e no parto.
Debater o tema é importante para que haja a conscientização de que certas condutas não são aceitáveis, devem ser devidamente apuradas e, se for o caso, punidas, seja de forma administrativa, cível e/ou criminal. O que não podemos é deixar uma situação que deveria ser de felicidade imensa, se transformar em um trauma à gestante, à criança e às demais pessoas envolvidas.
A vítima de violência obstétrica pode denunciar as más práticas na Secretaria de Saúde, na ouvidoria da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), denunciar quem praticou a violência nos conselhos de classe e, ainda, promover no Judiciário ação para reparação dos danos sofridos.