
CriminalDireito das mulheresViolência de gêneroAlterações importantes na Lei Maria da Penha
A Lei Federal 14.550, publicada em 20 de abril de 2023, trouxe quatro alterações muito significativas à Lei Maria da Penha:
– 1ª alteração: As medidas protetivas de urgência poderão ser deferidas de forma autônoma, apenas com base na palavra da vítima, exceto se a autoridade verificar a inexistência de risco à integridade da mulher.
Assim, caberá ao suposto agressor requerer a revogação das medidas protetivas e demonstrar que as alegações da pretensa vítima são falsas.
– 2ª alteração: As medidas protetivas de urgência serão concedidas independentemente da tipificação penal da violência, do ajuizamento de ação penal ou cível, da existência de inquérito policial ou do registro de boletim de ocorrência.
Essa alteração confirma o que já estava disposto no Enunciado 45 do Fonavid, reafirmando que as medidas protetivas de urgência são autônomas e desprovidas de natureza criminal. Ou seja: a vítima pode requerê-las sem, necessariamente, precisar representar contra o agressor em relação a eventual crime.
– 3ª alteração: As medidas protetivas de urgência vigorarão enquanto persistir risco à integridade física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral da ofendida ou de seus dependentes.
– 4ª e importantíssima alteração: esclareceu o conceito jurídico de violência baseada no gênero.
Agora está disposto, de forma expressa, que a Lei Maria da Penha será aplicável a todos os casos em que haja ação ou omissão contra a mulher baseada no gênero e que tenha sido praticada nos três contextos da Lei (relações domésticas, familiares ou íntimas de afeto), INDEPENDENTEMENTE DA CAUSA OU DA MOTIVAÇÃO DOS ATOS de violência e da condição do ofensor ou da ofendida.
Em aspectos práticos, essa alteração terá muitas consequências. Isso porque antes dessa Lei havia duas interpretações quanto aos termos “ação ou omissão baseada no gênero” constantes no artigo 5º da Maria da Penha.
Uma corrente interpretativa entendia que caberia verificar se existia motivação de gênero em relação à violência. Em termos técnicos, deveria haver demonstração específica da subjugação feminina para que fosse aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha. Ou seja, ainda que o crime fosse praticado por familiar e no interior da casa da vítima, deveria haver, de forma explícita, motivação baseada no gênero. Essa forma de interpretação restringia a aplicação da Lei.
A segunda corrente interpretativa partia do pressuposto de que qualquer ato de violência doméstica, familiar e oriunda de relação íntima de afeto contra uma mulher seria sempre permeado de violência baseada no gênero, justamente por todo o contexto social e histórico predominantemente patriarcal no qual as mulheres brasileiras estão inseridas, sendo a violência de gênero uma questão estrutural. Esta é a vertente validada pela nova Lei.